segunda-feira, janeiro 31

A sua missão tinha começado já há muito tempo… fazia parte do «projecto» desde o seu início, quando o tempo ainda não era tempo. Mas só há pouco a tinha começado a anunciar. Jesus olhou ao seu redor e viu uma multidão de gente que parecia disponível para acolher o que Ele tinha para dizer… Não podia deixar de estar feliz, e não podia deixar de transparecer essa felicidade. No seu rosto havia um sorriso algo especial! Não o podia esconder… e não podia deixar de se reparar!

Alguns dos discípulos comentavam entre si o seu «ar de felicidade», enquanto caminhavam para aquele pequeno monte onde Ele gostava de se encontrar com as pessoas que o procuravam para O ver e ouvir.

Um dos amigos de Jesus aproximou-se dele e ousou perguntar-lhe:
- Ouve, Jesus, onde está o segredo de toda essa felicidade? Será que também nós seremos um dia assim, felizes?

Apesar de toda aquela confusão de gente, parece que a pergunta estava na mente de cada um, e o silêncio deixou ouvir a leve brisa do vento na espera da resposta… Era a pergunta que cada um queria fazer, e a resposta o que cada um procurava.

Jesus parou. Olhou à sua volta… Os seus olhos cruzaram por um momento cada um dos que ali estavam, e em cada olhar Jesus percebeu que ia passando uma história de vida, uma história de buscas e de descobertas, de sofrimento e de alegria, de desejos e insatisfações…

Foi um daqueles momentos de silêncio que parecem uma eternidade! E foi de «eternidade», porque Ele, com aquela pergunta não podia deixar de pensar no Pai! O que era a Felicidade senão o próprio Pai?! E sussurrou uma breve oração: «Vês Pai, como eles sempre Te buscam?! Às vezes podem sentir-se perdidos no caminho, mas é a Ti que buscam!»

Sentou-se, como sempre fazia quando queria estar a falar mais tempo sobre coisas importantes. Aquela era pergunta importante e Ele queria responder com toda a calma… Ia falar do Pai, mas também de si, e também daqueles que tinha encontrado na sua vida e que eram o rosto da Felicidade… Afinal, esse era o grande «projecto» de sempre, a Felicidade de cada um!

A primeira pessoa de que se lembrou foi de Maria, a sua mãe. Não pôde deixar de reforçar ainda mais o seu sorriso! Ela «falava-lhe» do Pai, daquela disponibilidade absoluta para acolher, que tem quem tudo quer dar de si mesmo:
- Felizes são os puros de coração, porque verão a Deus!
Depois José, o pai, como ele era feliz! Também ele lhe falava do Pai:
- Felizes são os humildes! Eles possuirão a terra!

Recordou os bons momentos que passou em Nazaré! A sua história, com Maria e José, era uma história de felicidade! Vividos na simplicidade, às vezes com dificuldades… Mas, naquela história, sabia estar espelhado o próprio rosto do Pai:
- Felizes são os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus! Felizes são os que sabem perdoar, porque alcançarão o perdão!

Parou um momento a fixar o olhar dos que O rodeavam… Recordou-se destes tempos mais próximos, desde que tinha saído de Nazaré. Muitos dos que ali estavam com Ele tinham escutado também a João, e pedido o baptismo…
- Felizes são os que, como João, promovem a paz e são perseguidos por amor da justiça! Serão chamados filhos de Deus! Feliz é cada um de vocês: aqueles que choram, aqueles têm fome e sede de justiça, porque serão saciados… Felizes, acolhendo o Amor do Pai, e fazendo desse Amor a única Lei da vossa vida! Felizes porque vos trago uma Vida nova… E como serão felizes se a acolherem! Talvez vos persigam e insultem, por minha causa… Mas mesmo assim haverá uma alegria que será maior que tudo isso… Porque a Felicidade está em encontrar o Grande Tesouro pelo qual vale a pena deixar tudo…

A tarde já ia adiantada quando Jesus acabou de falar. Levantou-se para continuar o caminho. Era hora de descer do monte. A vida continuava lá em baixo! Olhou nos olhos dos que O escutavam… e notou, naquele que o interrogara, um sorriso diferente…

sexta-feira, janeiro 28

Depois de dois testes escritos, e de uma data de trabalhos, o exame de hoje só teve um senão: ter sido tão tarde! Antes de jantar já não deu para fazer nada! Mais de resto, foi uma agradável conversa com o professor (M. Pellerey) sobre algumas coisas relacionadas com a matéria da cadeira, mas sobretudo com algumas «sugestões» que, da leitura da matéria, me foram surgindo em relação àquela que poderá ser a tese a fazer… Gostei, não só pelo nota final, mas sobretudo porque percebi que posso «aproveitar» da sua experiência e das suas ideias. Para professor de Pedagogia, digamos que não esteve mal quando meteu em prática ali, comigo, algumas das coisas que foi falando como indispensáveis num educador.

Depois de jantar rever a matéria para o exame de amanhã, que esse vai ser logo de madrugada! É o de Mistério de Deus na Pastoral e na Catequese.

Um dos temas que surge quase no fim dos apontamentos é, talvez, um daqueles que mais nos «toca» ainda neste momento… Ou não estivéssemos a pouco mais de um mês de um maremoto, e a comemorar precisamente o 60º aniversário da libertação de Auschwitz: o problema do sofrimento, da dor, e especialmente da dor dos inocentes.

Este meu outro professor, Luís Gallo, teólogo argentino, que viveu de perto a realidade que fez surgir na América Latina toda um reflexão teológica a que se chamou Teologia da Libertação, tem bem presente e reflectida toda a problemática da dor, do sofrimento, da injustiça… E é este homem que anuncia que, para este mondo, e precisamente por causa de toda esta realidade, o anúncio que somos convidados a fazer, é o anúncio do Deus da Vida, um Deus de Vida para todos, a começar por aqueles que menos vida têm. Porque é assim que Ele se apresenta na vida de Jesus de Nazaré.

Agora já é tarde para explicar mais… Mas posso tentar fazê-lo amanhã. Para agora deixo apenas resgistado o pedido do Papa João Paulo II na conclusão da mensagem para hoje:

Nunca mais se repita, em lugar algum da terra, aquilo que sofreram os homens e mulheres pelos quais choramos desde há sessenta anos.


terça-feira, janeiro 25

Caravaggio, Conversão de São Paulo, 1600-01
(Capela Cerasi, Santa Maria del Popolo, Roma)

25 de Janeiro, Conversão de São Paulo.

Ia a caminho, e já próximo de Damasco, quando, por volta do meio dia, uma intensa luz, vinda do Céu, me rodeou com a sua claridade. Caí por terra e ouvi uma voz que me dizia: «Saulo, Saulo, porque me persegues?» Respondi: «Quem és Tu, Senhor?» Ele disse-me, então: «Eu sou Jesus de Nazaré, a quem tu persegues.» Os meus companheiros viram a luz, mas não ouviram a voz de quem me falava. E prossegui: «Que hei-de fazer, Senhor?» O Senhor respondeu-me: «Ergue-te, vai a Damasco, e lá te dirão o que se determinou que fizesses.» Mas, como eu não via, devido ao brilho daquela luz, fui levado pela mão dos meus companheiros e cheguei a Damasco.
Ora um certo Ananias, homem piedoso e cumpridor da Lei, muito respeitado por todos os judeus da cidade, foi procurar-me e disse: «Saulo, meu irmão, recupera a vista.» E, no mesmo instante, comecei a vê-lo. Ele prosseguiu: «O Deus dos nossos pais predestinou-te para conheceres a sua vontade, para veres o Justo e para ouvires as palavras da sua boca, porque serás testemunha diante de todos os homens, acerca do que viste e ouviste. E agora, porque esperas? Levanta-te, recebe o baptismo e purifica-te dos teus pecados, invocando o seu nome.»

(Act 22, 6-16)

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Hoje, como ontem (e para continuar…), passei o dia com a Pedagogia. Vai ser o meu exame inaugural: 26 escrito, e 27 oral. Sem dúvida que tem sido um tempo para perceber muitas coisas não só interessantes como importantes, e para rever muitas das coisas que fazia, umas melhor que outras… Se é verdade que se aprende com os erros, também é verdade que alguns podem ser evitados com a ajuda de algum estudo mais científico da questão...
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domingo, janeiro 23

Há algumas histórias no Evangelho que, para mim, devem estar «mal contadas»… Por exemplo, no Evangelho de hoje… Onde já se viu que isto pudesse acontecer?!:

Caminhando ao longo do mar da Galileia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes Jesus: «Vinde e segui-Me e farei de vós pescadores de homens». Eles deixaram logo as redes e seguiram-n’O. Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, que estavam no barco, na companhia de seu pai Zebedeu, a consertar as redes. Jesus chamou-os e eles, deixando o barco e o pai, seguiram-n’O. (Mt 4, 18-22)


Assim, sem mais nem menos?! Sem nunca terem visto Jesus?! Sem nunca terem estado com Ele?! Sem sentirem, já anteriormente, o desejo de O seguir?! Sem saberem as «condições» do novo contracto?! Ou a história está «mal contada» ou há aqui alguma coisa que me escapa…

Pronto, vou dar o braço a torcer: talvez não seja da história… Pode ser que, o que me escapa, seja o mais importante aqui… Mas não posso deixar de me admirar nem com a «loucura» daqueles 4, nem com o fascínio que neles exerceu Jesus…

sábado, janeiro 22

Até agora, o programa está a demonstrar-se bem estruturado! Está estudado o que estava previsto… É verdade que não conheço muito mais que as paredes do meu quarto, mas não deixo de viajar por muito longe nas páginas que me acompanham!

sexta-feira, janeiro 21

Exames marcados, mapa de estudo feito! Agora é só tentar cumprir. Ou melhor, tenho mesmo de o cumprir, que está tudo apertadinho e não há tempo para perder tempo. E sempre tenho um fim-de-semana algo longo: termino os exames a 11 de Fevereiro e só recomeço o semestre a 16.

Exames é assim: um a 26, outro a 27, e outro a 28 de Janeiro. Depois, em Fevereiro, um a 1, outro a 2, outro a 4, outro a 7 e, finalmente, um a 11.

Bem, mas isto não pode ser só falar de estudos… Leituras, outras, para variar. Agora ando a ler Hermann Hesse, As mais belas histórias. Uma leitura interessante para acabar o dia. Diz a apresentação da edição que tenho comigo (Ed. Notícias, Lisboa 2003) que «Hesse é normalmente reconhecido como um retratista dos conflitos interiores do indivíduo e do seu confronto com as regras sociais» (K. Tucholsky). E, de facto é isso que tenho encontrado nestes contos. Veja-se, a título de exemplo, como começa o que agora estou a ler, chamado Alma de criança:

Hermann Hesse (1877-1962),
prémio Nobel da Literatura em 1946

Por vezes agimos, metemo-nos em problemas e saímos deles, fazemos isto e aquilo, e tudo nos parece fácil, despreocupado e facultativo, como se também pudesse ser de maneira diferente. Há outras alturas em que tudo o que fazemos é inalterável, não existem compromissos, nada é fácil, e cada respiração nossa é controlada por poderes ocultos, carregados de destino.

As acções a que chamamos boas e que gostamos de contar são quase todas da primeira espécie, da «fácil», e depressa nos esquecemos delas. As outras acções, aquelas que nos custa falar, mas que nunca mais esquecemos, parecem pertencer-nos mais do que as primeiras, e as suas sombras caem sobre todos os dias da nossa vida.

Não é?...

quinta-feira, janeiro 20

Esta semana, pouco a pouco, vão terminando as cadeiras… Entregam-se os trabalhos, recebem-se as indicações para os exames, e começa-se já a planear o programa de estudo para este tempo. Amanhã (ou seja, hoje…) vou fazer a marcação das datas de exames e, se correr bem, ainda consigo fazer dois dias de férias antes de começar o segundo semestre.

Hoje, por exemplo, foi a última aula de Educação moral dos jovens. Achei simpático ouvir o professor dizer que era importante não nos esquecermos que não podemos confundir a mensagem cristã com uma forma de moralismo: primeiro anunciar as «maravilhas do Reino»… só no acolhimento deste pode surgir um compromisso ético…

Perguntavam-me, num dos comentários, qual seria a leitura oficial da parábola do semeador que aqui deixei outro dia. Uma das vantagens de uma parábola é não ter que ter um significado oficial, mas de cada um poder ajustar a sua realidade àquilo que lhe parecem ser os conteúdos ou desafios dessa história… Mas se posso dar a minha visão da história, passa precisamente por isto que ouvia hoje de manhã na aula de Moral: há um Semeador que não desiste do seu campo, que o ama, que tem fé nele, que faz dele o seu tesouro, que o semeia apesar de parecer uma loucura… Depois… depois pode ser que nasça aqui e ali uma flor…

terça-feira, janeiro 18


Hieronymus Bosch (1450-1516) As tentações de Santo Antão
óleo sobre madeira, aprox. 1505 tríptico—painel central

Hoje (17 de Janeiro), na liturgia, celebrou-se Santo Antão. O «pai dos monges», por ter sido o primeiro a viver como tal na Igreja, egípcio de nascimento, viveu entre o século III e IV. Diz-se que morreu com 105 anos, depois de muito tempo de deserto.

Segundo reza a história, ficou órfão muito novo. À sua responsabilidade ficou uma irmã e a fortuna dos pais. Mas sentiu que o seu caminho seria diverso… Deu tudo quanto tinha, reservando apenas uma parte para a irmã, e seguiu um caminho de ascese que o levou até ao deserto onde viveu com alguns discípulos que se juntaram a ele, e por ele eram orientados, entregando-se à mais profunda contemplação.

Mas não teve uma vida simples… Quando se fala de Santo Antão não se pode deixar de falar das suas famosas «tentações»… A sua fé nunca deixou de ser posta em causa com inúmeras provocações e pensamentos obscenos e impuros. Mas, de tanto ser tentado, e de tanto resistir com serenidade, acabou por alcançar alguma paz. Achando que poderia viver de forma mais isolada, decidiu abrigar-se num túmulo. Depois ainda viveu 20 anos no cume de uma montanha, e mais tarde fundou um mosteiro em Fauim.

No quadro que aqui deixei, vê-se o santo rodeado pelas tentações da vida mundana enquanto mendiga frente às portas de uma igreja fortificada atrás da qual se estende um luxuoso palácio. Está rodeado de uma refinada coorte, onde diversas personagens de traços animalescos se entregam ao prazer. Fora, o povo dedica-se a um vil comércio num porto onde atracam exóticos barcos. Entretanto, no resto do mundo, imperam o desastre e a destruição (parte superior esquerda).

Por causa desta sua vida é invocado como protector contra as tentações. Uma realidade a que ninguém está impune, no deserto como na cidade…

domingo, janeiro 16

Na cadeira de Narração em Pastoral Juvenil e Catequese, o professor defende que, como o fez Jesus (e como estão escritos os Evangelhos...), hoje, para transmitir a boa nova de um Deus que nos quer para a Vida, é importante narrar, contar histórias, na História que é a relação de Deus com os homens… Uma história onde se envolve aquele que conta, porque conta algo que é a sua própria história de vida, aquele a quem é contado, porque reconhece aí a sua própria história, e Aquele de quem se conta...

Ao longo do semestre fomos aprofundando o porquê desta opção, as regras que estão por detrás da narração, algumas formas de o fazer… Agora pediu-nos para tentarmos aplicar. Deu-nos algumas opções de «esquema» para o fazer. Em conjunto com o Caldas e o Paulo Malícia escolhemos a de re-contar uma parábola de Jesus. Depois de uma «chuva de ideias», escolhemos a do semeador. E o resultado, depois de uma verdadeira «tempestade de ideias», com o toque final do Paulo que é o nosso escritor oficial, foi este:


Semeador, Van Gogh

Semeador de vida e de esperança

A luz suave do sol da primavera já se fazia sentir. Ao redor da pequena aldeia era grande a azáfama dos agricultores. A sua jornada há muito tinha começado. Era época das sementeiras e ninguém tinha tempo a perder. Sabiam que as suas vidas dependiam dos frutos das sementes que, com afinco, lançavam nos terrenos lavrados e preparados para acolher tão precioso bem.

Também João, um velho e zeloso agricultor, cuidava com carinho do seu pedaço de terra. Era tudo o que possuía. Tinha vendido todos os seus bens porque acreditava que aquele terreno podia produzir muito fruto. Era o seu tesouro, tinha apostado tudo nele. Na verdade não era um grande terreno. Tinha uma pequena zona de terra fértil, mas uma boa parte era pedregosa e dificilmente seria capaz de produzir algo mais do que espinhos. Mas, apesar das contrariedades, João não se cansava de semear. Amava tanto aquele pobre pedaço de terra, e tinha tanta esperança em fazer dele um belo campo transbordante de vida, que mesmo nas zonas mais áridas lançava a semente com alegria. Os outros agricultores não entendiam como era possível tal atitude e diziam entre si:

- Vejam o pobre do João! A semear no meio das pedras!
- Como é que pode desperdiçar a semente naquele terreno?

Alguns, com pena dele, diziam-lhe mesmo:
- João! Não vês que a semente é preciosa! Não a desperdices no meio das rochas!

Mas João continuava. Ele sabia, que no terreno fértil a semente dá fruto abundante e por isso, já o tinha lavrado e semeado. Mas aquele era o seu terreno, o terreno que ele tanto amava, tinha que cuidar dele por igual.

Terminada a época das sementeiras, a azáfama da aldeia deu lugar à habitual pacatez, própria das gentes que vivem ao ritmo do tempo. Era altura de esperar pelas colheitas. E ela chegou carregada de novidade. Naquele ano todos os agricultores se alegraram. Os campos férteis semeados com esperança de abundantes colheitas deram fruto como nunca se tinha visto.

Também naquele ano o João sorriu. Na zona mais árida do seu pobre terreno floriu uma pequena flor.

sexta-feira, janeiro 14

Segundo as tradições açorianas, hoje é o «dia dos amigos». Tentando explicar: as últimas 4 quintas-feiras antes do Carnaval são dias de festa: a primeira do amigos, a segunda das amigas, a terceira dos compadres, e a quarta das comadres. Nestes dias, os respectivos, ou respectivas, encontram-se para fazer festa: jantarada e noitada juntos… Como, por aqui, não há esse costume, tentámos fazer a comemoração à nossa forma, por influência dos açorianos presentes: lá fomos festejar o «dia dos amigos» depois de jantar, numa noite bem passada entre conversas, anedotas, e umas garrafas de vinho, cervejas e «amaros»… E, não haja dúvida, por qualquer motivo se pode fazer festa!

quinta-feira, janeiro 13

Hoje, pela primeira vez desde que cheguei aqui a Roma, faltei propositadamente a uma aula. Já faltei a outras, poucas, mas porque não deu mesmo para ir. Esta foi uma coisa do tipo: não me apetece ir amanhã, e não vou mesmo! E o pior é que não fiquei com problemas de consciência por causa disso!

Mas não me «baldei» a manhã toda… Logo a seguir fui a outra aula onde o professor (um daqueles que vale a pena ouvir!) olhou para nós e, como sempre, no princípio de cada aula, fez mentalmente as contas: somos sempre pouco mais de 60% dos alunos inscritos naquela cadeira. O professor costuma brincar a dizer que vai gostar de conhecer alguns no exame…

E assim se acaba mais uma semana de aulas. Fomos dispensados das aulas do resto da semana porque, estes dias, está a decorrer um convénio sobre Mounier na Universidade: Pessoa e humanismo relacional: herança e desafios de E. Mounier. Eu passei por lá um bocado esta tarde, para ouvir o Paul Ricoeur… Mas, afinal não chegou a vir. Mandou o discurso numa gravação…

Desilusão à parte, nada como aproveitar este tempo livre antes da época de exames. E amanhã vai ser mesmo para folgar por casa, que no programa do convénio não está nada que me entusiasme muito…

terça-feira, janeiro 11

Passados tantos dias, foi um bocado doloroso voltar a acordar cedinho, pegar no carro e ir para uma manhã de 5 aulas em italiano… O termómetro marcava os dois graus positivos! Mas também foi bom voltar a encontrar aquela gente toda e perceber que voltava o ritmo normal da vida. Às vezes sabe bem alguma rotina… Ok! Isto já passa! Amanhã (que é hoje… enfim… a rotina de deitar tarde não passa nunca…) tenho de tentar programar a época de exames! Mais uns dias e lá se vão as rotinas todas de novo…

segunda-feira, janeiro 10

Logo que Jesus foi baptizado, saiu da água. Então, abriram-se os céus e Jesus viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e pousar sobre Ele. E uma voz vinda do Céu dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência».
(Mt 3, 16-17)


Acredito que hoje tenha sido algo difícil falar, no dia da Festa do Baptismo de Jesus, da água como sinal de vida… Eu não tive de falar, mas pensei um pouco nisso. Os recentes acontecimentos da Ásia ainda me invadem com a realidade contrária: a água com um poder de destruição e de morte. Uma realidade a que é difícil ficar indiferente, que me faz pensar na minha «pequenez» e na relatividade de alguns dos «grandes» problemas da minha (comparativamente…) pacífica vida. Uma realidade que, por outro lado, me faz perceber que, quando os homens o querem, é possível viver uma verdadeira caridade, como se vê na quase total união de todo o mundo para apoiar aqueles que mais sofrem neste momento.

Talvez esteja aqui toda a força deste sinal, que no baptismo realiza a morte e a vida: ser baptizado é este morrer para uma vida e ressuscitar para outra nova. E essa outra vida é aquela que se vive em Deus, que no texto deste Domingo se revela na sua dimensão trinitário de Pai que muito ama o seu Filho, de Filho que acolhe esse muito amor do Pai, numa relação de amor que é o próprio Espírito que se vê descer sobre Jesus quando sai das águas. E a certeza que aquilo que diz de Jesus também me diz a mim: «Tu és o meu filho muito amado…»

Consegui terminar o trabalho a que me tinha proposto nestes dias que antecederam o reinício das aulas que é amanhã. Era sobre o anúncio de Deus… por isso também estas coisas que me foram «passando pela cabeça» neste dia de revisitar o próprio baptismo no de Jesus…

E se é verdade que o baptismo inaugura novos laços de fraternidade, quer dizer que isso nos faz partilhar de uma forma também nova as tristezas mas também as alegrias dos outros. Hoje (dia 10) é dia de celebrar também a vida do Leonel (Migo) que é quase um residente deste blog mas que, para mim, é certamente muito mais que isso! Um «abraço virtual» e… obrigado por tudo!

sábado, janeiro 8

Anunciar o Deus de Jesus Cristo hoje pode não parecer uma tarefa fácil, mas continua a ser a missão da Igreja. Aliás, não pode senão fazer isso mesmo, que é esse o seu grande «tesouro», o «segredo» que tem para partilhar, a grande «novidade» que tem para contar para que, quem a receber, possa partilhar da mesma Vida que está em Deus.

Hoje passei o dia com esta questão, do Mistério de Deus, para tentar perceber e explicar depois, num trabalho que tenho de apresentar, se um determinado catecismo está ou não a prestar um bom serviço no anúncio do verdadeiro Deus e Pai de Jesus Cristo. Sim, porque para criar e anunciar «outros deuses» já há muito quem o faça e não convinha nada que a própria Igreja desse «tiros nos pés» naquilo que é a sua tarefa principal… E, além disso, parece-me que às vezes se «anunciam» tantas outras coisas (algumas mesmo tão secundárias, mas tomadas por fundamentais numa opção de fé…) que se torna importante voltar ao fundamental! Mas por agora não vou desenvolver o tema… Aliás, o texto que «aqui» deixei ontem também «trata» de algumas destas questões fundamentais e será, talvez, uma boa «meditação» para o fim-de-semana! Eu por mim, vou dormir que já é tarde e a gripe parece não querer passar sem antes deixar as suas marcas...

sexta-feira, janeiro 7

Para primeiro dia de volta ao mundo do estudo não correu muito mal… Tenho é a impressão que estou a começar a chocar uma gripe, o que não ajuda muito aos planos elaborados.

Mas hoje quero redimir-me do pouco que fui escrevendo neste espaço durante o tempo de férias. Não que vá escrever muito, mas vou deixar muito para quem quiser ler. A história «O Príncipe e a Lavadeira» encontrei-a num livro que achei interessante e acabei por comprar. Por sinal o título do livro foi tirado desta mesma história contada por Nuno Tovar de Lemos, no seu livro O Príncipe e a Lavadeira, redescobrir a fé cristã, histórias simples para falar de Deus e de nós (Coimbra, Ed Tenacitas, Dezembro de 2004).

Como é dia da Epifania por cá, e a história tem a ver com a Encarnação, pensei em deixá-la para marcar este final de tempo de Natal. Apesar de parecer um pouco (ou mesmo muito…) longa para um espaço como este, penso que, para quem ainda não a conhece, vale a pena tirar os (talvez) 10 minutos necessários para a ler!



ilustração de Maria Archer

O Príncipe e a Lavadeira
A Encarnação

Serafim, o anjo madrugador, foi o primeiro a estranhar. "Já tão tarde e nenhum dos Três aparece?" Mas, pensando melhor, achou que não tinha nada a ver com isso, que, afinal, Deus é Deus e pode tomar o pequeno-almoço às horas que muito bem entender. Os outros foram chegando, à medida que os primeiros raios de sol entravam pela enorme janela e as melodias dos anjos tocadores os faziam despertar: primeiro Abraão com o seu filho Isaac; depois Jacob, acompanhado pelo seu grande amigo, o anjo lutador; Moisés, descalço como sempre; o profeta Isaías, solene com aquelas barbas que ele se recusava cortar... Aos poucos todos foram chegando e enchendo de conversas e risadas aquela enorme sala da corte celestial.
Todos conversavam menos Serafim. "Começo a sentir-me culpado," segredou ele ao anjo Gabriel, que lia a seu lado o jornal, "talvez eu tenha roçado os sinos com pouca força e Eles não tenham acordado. Achas que vá lá ver?" O facto é que Eles não chegavam e aos poucos a estranheza da sua demora foi-se espalhando pela sala e fazendo crescer um burburinho de suposições. Jonas – dramático como sempre – levantou-se de um pulo. "Já não aguento mais. Sem Eles não há Céu. Alguém tem de ir lá perceber o que se está a passar! Não me sentia assim nervoso desde aqueles três dias em que estive no ventre da baleia!"

Alvoroço na corte celestial

Ainda estava ele a falar quando se ouviram vozes animadas que se aproximavam. Eram os Três. Apareceram sorridentes a porta, com aqueles sorrisos misteriosos que sempre antecedem as grandes notícias. Todos se calaram imediatamente e Deus Pai tomou a palavra. Tomou a Palavra pelo braço e falou:
– Estivémos a noite inteira reunidos e já está tudo decidido. Vai ser agora!
Fez-se um grande silêncio perplexo na sala. "Vai ser agora, o quê?", perguntavam todos baixinho, sem perceber nada. Mas Ele continuou:
– Já repararam no mundo? É mesmo um local fantástico, não é? Tantos homens e tantas mulheres! Tantas crianças por toda a parte! E tão diferentes uns dos outros! Uns brancos e outros negros; uns vestidos de túnicas outros de calças de ganga; uns trabalhando e outros descansando; uns chorando e outros rindo; uns amando e outros olhando... E cada um com o seu nome e a tentar ser feliz! Comovemo-Nos e decidimos que é este o momento certo.
Ninguém estava a perceber nada da conversa mas também ninguém tinha coragem de falar. Foi Adão que o fez, talvez por se ter sentido tocado pelas referências à questão da roupa.
– Senhor, em nome de todos peço desculpa, mas creio que nenhum de nós está a perceber exactamente o que estão a dizer. Vai ser agora o quê?
– Pois é – disse Deus –, estamos tão entusiasmados que nem explicámos bem. Decidimos jogar a grande cartada na história dos homens, algo impensável que a todos vai surpreender e fazer voltar para Nós.
– Até que enfim! – Disse Amós, o profeta, precipitadamente – Já era tempo de pôr aquela confusão em ordem. Eu cá por mim já há muito tempo que teria enviado um cataclismo. Sem um bom castigo ninguém aprende! Não há nada como uns trovões valentes ou um dilúvio ou uns abalos de terra para as pessoas se arrependerem dos seus pecados. Desculpem-me o atrevimento, mas eu cá, se fosse Deus, já há muito que lhes tinha mostrado a minha ira. Infelizmente com eles tem de ser assim. A verdade é esta: os homens estragaram tudo. Os Três, muito bem intencionados, fazem uma criação com tudo pensado, dão liberdade aos homens e aí eles começam com guerras e ódios a destruir tudo e todos. É uma vergonha, só interesses mesquinhos, exploração do órfão e da viúva, incredulidade! Os homens estragaram a criação e agora, claro, os Três é que têm de inventar uma maneira qualquer de compor aquilo que os homens descompuseram, de arranjar o que eles estragaram. Se precisarem de alguma coisa contem comigo. Por uma causa destas estou disposto a tudo!
– Amós, Amós – disse o Filho, cheio de paciência – não percebeste nada! O que vamos fazer, já estava tudo previsto antes de Adão nascer! Não é um remendo. Claro que nem tudo está bem no mundo, mas quando começámos a criação já sabíamos que não ia ser tudo perfeito e, mesmo sabendo isso, decidimos criar. Há guerras e injustiças, mas também há muita coisa boa. As crianças não crescem até adultos sem fazer disparates e os pais não deixam de as ter por causa disto, não é? O que vamos fazer não é pôr um remendo, é dar o grande passo pelo qual esperávamos desde o princípio e para o qual começámos a criação.
– E pode-se saber que passo é esse? – perguntou timidamente Isaías.
– Isaías, tu devias saber melhor que ninguém. Decidimos – disse o Filho muito solenemente –, decidimos que Eu iria viver com os homens! Não é fantástico?

A lição

Tudo parou nesse momento. Os olhos de todos na corte celestial estavam fixos nos Três. Fez-se um enorme silêncio de espanto. O anjo Gabriel, com o susto, não conseguiu controlar um rápido movimento reflexo da asa esquerda que, ao embater num jarro, fez derramar leite por todo o chão.
– Desculpa, Senhor – disse ele muito atrapalhado –, eu não estava à espera de uma coisa assim. Disseste ir viver lá para a Terra? É essa a Tua ideia?
– Sim – disse o Espírito Santo –, e estamos os Três completamente envolvidos nisto. A ideia é dos Três e de sempre, mas não podia ser logo. Lentamente os homens foram crescendo e agora já estarão preparados para esta lição de amor. Eu mesmo abrirei os seus corações e entenderão o que é o amor. Aprenderão Connosco pessoalmente a amar. Aprende-se mais com os olhos que com os ouvidos!
– Amar? – Surpreendeu-se Amós, que não tinha ficado nada satisfeito – Eu pensei que a Vossa missão era a salvação, nunca pensei que fossem sentimentos!
– Tanto tempo aqui e ainda não entendeste?! – Disse o Espírito Santo – Só o amor salva! Amar e salvar não são duas coisas diferentes, são uma só. A única lição que os homens precisam de aprender é amar. A sua única missão é essa: amar. Quando souberem amar estarão salvos! Aos poucos temos ensinado cada homem a amar, falamos a cada um no seu coração e na sua consciência, inspiramos profetas para falarem em Nosso nome, entramos na sua história. Enfim, indirectamente temo-los preparado para o amor. Agora chegou o tempo de eles viverem com o amor em pessoa. Porquê mais rodeios se podemos ir lá directamente? Pensa bem, quando eles virem o amor em pessoa e o abraçarem estarão salvos! Claro que não podíamos fazer isto logo no princípio, pois não estariam preparados para o aceitar. Agora é o momento certo. Quando eles puderem conhecer o Filho, estar com Ele, ouvi-Lo falar, vê-Lo amar, saberão amar e estarão salvos. Não se trata de uma emenda, trata-se de um objectivo. Foi pensando neste objectivo que começámos a criar.

A proximidade

– Cá por mim – disse Oseias com os olhos a brilhar –, têm todo o meu apoio. Confesso que não estava à espera. Claro, nenhum de nós imaginava isto. Mas têm todo o meu apoio. Aliás lembro-me de ter falado muitas vezes de amor ao meu povo. Fui até muito criticado por causa disso, por comparar Deus a um amante. O Filho ir lá abaixo disfarçado de homem, acho uma ideia estupenda.
– Oseias! - Interrompeu o Filho – "Disfarçado", coisa nenhuma! Serei homem.
– Claro, Senhor, duas pernas, dois braços e uma cabeça e todos pensarão que sois um ser humano de verdade. Não é "disfarçado", claro. É como se fosses mesmo homem.
– Oseias, não é "como se fosse", Eu serei homem.
– Serás homem, como? Não vais nascer, não vais morrer, claro.
– Vou nascer, vou morrer e vou crescer.
– As vezes faz frio lá em baixo. Senhor. Não é como aqui no Céu...
– Eu sei. Às vezes faz imenso frio, até mesmo no coração. E às vezes a comida não chega.
– Também vais comer?
– Claro! Vou comer, caminhar, sentir o frio da pedra sob os pés e o calor do sol do Verão nas costas. Vou aprender e ter de andar à procura. Vou escutar e falar. Vou fazer perguntas e aprender. Vou ter de caminhar para ir de aqui para ali.
Jonas não aguentou mais.
– Não sabes em que Te vais meter, Senhor. Aquilo lá em baixo é uma selva! Ainda me arrepio só de pensar em Nínive... A pessoa às vezes sofre mesmo. E não só o frio e o calor mas também a incompreensão dos outros. E até mesmo a solidão. Desculpa, mas não é ambiente para Ti. Não seria muito mais sensato – desculpa-me o atrevimento... –, não seria muito mais sensato ires lá com aparência humana, adaptares-te a tudo, fazeres o que tens de fazer e depois voltares para cá?
– "Aparência humana"?! Essa é a primeira grande tentação dos homens, a tentação do "dar-se-sem se-dar", brincar ao amor sem se comprometer. Tocar sem se deixar afectar, sem perder as suas seguranças. Os homens querem deixar sempre livre o caminho de regresso. Então dão-se mas não se dão. Querem ter a sensação de que amam mas sem correr nenhum risco pessoal. E então dizem uns aos outros: "Amo-te muito mas não estou preparado para assumir nenhum compromisso, já tenho muitas questões na minha vida." Ou então: "Ajudo-te a resolver os teus problemas desde que não me envolvas pessoalmente na tua situação!" Ou ainda: "Deixa-me cativar-te. Mas amanhã não me venhas bater à porta." Não entendem nada. Amar é deixar que a carga do outro passe para nós. Uma espécie de transferência, entendes? Por isso é que antes de cada acto de amor devemos pensar se estamos preparados para ele. Quando amamos tornamo-nos frágeis. Então achamos mais fácil guardar sempre uma certa distância cada vez que amamos, de modo a nunca corrermos o risco de ser afectados. Era isso que pretendias quando sugerias que Eu fosse lá abaixo disfarçado de homem! Mas já vês que uma coisa destas Eu nunca poderia fazer...
– Senhor, certamente que os Vossos pensamentos não são os nossos pensamentos e que os Vossos decretos são insondáveis – insistiu Jonas solenemente –, mas francamente parece-me tudo isto um exagero! Sejamos acima de tudo práticos. Os homens precisam de orientações. Ide lá abaixo dar-lhes essas orientações. Os homens precisam de ajudas concretas. Ide lá abaixo dar-lhes essas ajudas. Os homens certamente ganhariam em conhecer-Vos. Ide lá abaixo dar-lhes um pouco de tempo. Mas francamente isto de ser homem parece-me arriscado e desnecessário.
– Jonas – respondeu o Filho cheio de paciência –, essa é precisamente a segunda tentação dos homens que se esforçam por seguir o bem, a tentação do "fazer-coisas-em-vez-de-estar". Pensam que o amor se pode trocar por fazer coisas, não entendem que consiste sobretudo em estar presente. Dizem uns aos outros: "Dei-te uma hora do meu tempo, vês como te amo?" Ou: "Canto os cânticos da tua cultura, vês como te amo?" Ou: "Visto-me como tu te vestes e sorrio sempre que passas, vês como te amo?" Ou ainda: "Ajudei-te a preparar uma bela reunião, vês como te amo?" Mas o amor não consiste em horas, nem em cânticos, nem em roupas, nem em sorrisos, nem em reuniões, nem em nada do que se possa fazer por fora. O amor consiste em dar-se a si mesmo e para isso é preciso ter tempo para estar com o outro, ter tempo para simplesmente estar. Mas, claro, com o tempo apanhamos o frio e o calor do outro na nossa própria alma. Estás a ver, Jonas, um Deus muito eficiente e muito profissional mas que não tivesse tempo para estar não salvaria ninguém.
Foi então que um anjo adolescente saiu voando do coro dos anjos com a sua harpa na mão e dançou no ar à volta do Filho, cantando:

"Este é a voz do meu amado! Ei-lo que vem aí, saltando sobre os montes, pulando sobre os outeiros. O meu amado é como a gazela e como um veadinho. Ei-lo atrás dos nossos muros, olhando pelas janelas!" (Cant 2, 8-10).

Depois parou diante do Filho e fez-Lhe uma grande vénia. Todos aplaudiram, sobretudo Deus Pai, visivelmente entusiasmado. Até que enfim que alguém parecia entender plenamente o significado daquilo que os Três lhes transmitiam! Mas nem todos estavam contentes. Alguém, do meio da multidão, pôs o dedo na ferida:
– Senhor – disse ele voltando-se para o Filho – , vejo que obviamente querem o bem dos homens. Tamanha entrega não pode significar outra coisa. O que me parece questionável – com o devido respeito, claro – é que isto seja o bem dos homens. Há uma linha. Senhor, uma linha que nos permite que nem tudo seja relativo. Abaixo dessa linha estão os pássaros, as árvores, as montanhas e os homens. Enfim... a criação. Acima dessa linha está Deus. Abaixo existe o tempo. Acima, a eternidade. Abaixo, o que é finito. Acima, o que é infinito. Abaixo é tudo relativo. Acima é tudo absoluto. Esta linha marca uma distância intransponível e permite que as coisas não se misturem. É bom para nós saber que acima de nós as coisas são claras e incondicionadas. Permite-nos viver com ordem a desordem da vida. Ora, se bem percebi, o Vosso projecto confunde tudo. A parte de cima mistura-se com a de baixo. A parte de cima vem para baixo e qualquer dia a parte de baixo já pensa que está lá em cima. Não é melhor para os homens deixar as coisas como estão, da mesma exacta maneira que os nossos avós nos ensinaram? Não introduzirá isto uma confusão tremenda nas cabeças dos homens? Faz lembrar aqueles pais que se começam a comportar como se fossem filhos, ou aqueles professores que se sentam no meio dos alunos. É muito confuso. Parece-me que, se quereis o bem dos homens, a primeira coisa que deveis manter é a ordem.
– Será mesmo como dizes – explicou o Filho –, uma linha quebrada e aberta. Só que não percebeste porquê. É por causa do amor. O amor não suporta distâncias, hierarquias.
– Senhor, mas se quebrais essa linha estais sujeito a tudo o que é relativo. Não penseis que as multidões acorrerão para Vos servir. Aqui, sim, enchemo-nos de respeito quando Vos vemos passar. Lá em baixo não é assim, impera a lei do mais forte. Lá em baixo tudo pode acontecer. Até a violência. Até a morte. Em que posição ficais depois? Perdeis o Vosso estatuto superior e já não podeis salvar. E quem acaba a perder... são os homens!
– Aí é que te enganas. Ninguém salva de cima, a partir de uma posição de superioridade. Os homens terão de aprender a ver-Me de cima para baixo. Talvez não estejam ainda preparados para que lhes lave os pés, mas um dia perceberão. É esta a terceira tentação dos homens no que diz respeito ao amor, a tentação de "dar-a-mão-sem-se-abaixar". Pensar que se pode amar sem se abaixar, sem ficar a perder. E então dizem coisas como: "Amo-te, mas não digas a ninguém. A minha imagem ficaria estragada." Ou: "Deixa-me fazer-te o bem mas não me obrigues a ir a tua casa, não me sinto bem nesse tipo de bairros." Ou ainda: "Conta-me os teus pecados mas não entres em pormenores para eu não me sujar." Mas amar é aceitar chegar a perder para que o outro fique a ganhar. Amar é quebrar a linha que nos mantém sempre por cima, na nossa auto-suficiência.
– E não há hipótese de os dois ficarem a ganhar? – Retorquiu...
– No papel sim, é possível pensar num amor que só tenha ganhos. Na prática não. Amor e dor são inseparáveis.
– É disso mesmo que eu estou a falar, de dor. Não falo já da dor física, mas sobretudo da dor do coração. Que farias se os homens não Te aceitassem? Já pensaste nessa possibilidade?
– Pensei na possibilidade de amar até ao fim, onde quer que isso Me leve. É essa a linha que quero traçar – percebes? –, a linha do amor. Claro que isto rompe com as hierarquias. Quando se ama deixa-se de estar acima. Parece que nunca amaste ninguém.
– Senhor, e se isso Te levar até à morte? Imagina simplesmente a possibilidade de Te quererem matar? E Tu, que és Deus, que fazes?
– Não sei o que farei. Só sei que quero uma coisa: ser fiel até ao fim.
– Até à morte?
– Até à morte – disse o Filho, olhando o Pai, enquanto o Espírito pousava suavemente a cabeça no seu peito.
"Até à morte"... Ouvindo isto o anjo tocador não resistiu e voou novamente à volta do Filho e a cantar:

"Põe-me como um selo sobre o teu coração, como um selo sobre os teus braços. Porque o amor é forte como a morte. A paixão é violenta como o sepulcro! As muitas águas não poderiam extinguir o amor, nem os rios o poderiam submergir."
(Cant 8, 6).

A liberdade

Aos poucos foi-se gerando entre todos um entusiasmo geral por esta "cartada" que os Três iriam dar. Os mais extrovertidos dançavam de alegria, os mais solenes faziam discursos e propunham brindes, os mais impulsivos ofereciam-se para ir também "lá abaixo" ou "lá acima" à Terra e passar com o Filho o que quer que Ele viesse a passar. Havia também um grupo mais militante que começou animado a gritar palavras de ordem, como se fosse uma manifestação: "Hossana, hossana ao Filho de David!", "Bendito o que vem em nome do Senhor" e outros slogans do género. De repente apareceu uma faixa dourada que dizia: "Encarnar já. Com os Três no Seu projecto de felicidade." O Pai pediu então um pouco de calma e explicou:
– Vejo que já perceberam o alcance daquilo que acontecerá e ficamos tocados que partilhem do Nosso entusiasmo. A todos agradecemos o vosso apoio. No entanto gostava que soubessem uma coisa: não é a Nossa própria felicidade que procuramos. Não se admirem se vos dissermos que não precisamos de dar este passo. Damo-lo para que os homens sejam felizes. Será talvez difícil entenderem o seguinte: a Nós nada Nos falta. Um dia aparecerão homens que dirão que Nós, para sermos Deus, tínhamos de ir à terra, que era uma necessidade. E isso não é verdade. A Nós nada Nos falta. Eles pensam que o amor é uma necessidade, não entendem que ir à procura do amor por necessidade não seria amor mas o seu contrário, a dependência. E esta a quarta tentação dos homens no que diz respeito ao amor, a tentação do "dar-para-se-preencher". É verdade que todo o amor enriquece quem o dá. Mas é também verdade que amar é querer o bem do outro e não o nosso. Sem isto não há amor. Como sabem, os homens têm toda a espécie de carências, sobretudo afectivas. Quando, por vezes, fogem de as enfrentar procuram uma outra pessoa para tapar os seus buracos. E chamam-lhe amor. Dizem coisas estranhas como, por exemplo, "preciso de ti para ser feliz", "sem ti não seria ninguém" e "não posso viver sem ti". Ainda não entenderam nada. O amor é como uma ponte e cada pilar tem de estar bem assente por si próprio na sua própria margem. Buscar o apoio do pilar na própria ponte é meio caminho para tudo se desmoronar. Assim outros homens dizem: "dar-te a mão preenche o vazio que há em mim" e "dou-me a ti porque me sinto útil sabendo que precisas de mim". E chamam-lhe amor. Mas não é. O amor é gratuito. Só pode amar quem aceita viver a sua própria solidão e sabe que não precisa do outro para sobreviver. A solidão não é contrário do amor – como os homens muitas vezes pensam –, é o seu alicerce escondido. Vocês pensarão então que amando assim não nos envolvemos. Mas enganam-se, é precisamente assim que nos podemos envolver sem medo de nos perdermos. O verdadeiro amor alimenta a independência. O Filho nunca deixará de ser quem é.
Agora é que estavam todos cada vez mais confundidos.
– Mas então – perguntou o anjo adolescente da harpa – o que é afinal o amor? Não é diluir-se no outro? Não é isso que vai acontecer agora com o Filho, deixar de ser quem é para ser homem?
– Não, Benjamim – atalhou o Filho muito de repente –, se Eu deixasse de ser quem sou já não podia amar. Repara no que se passa aqui no Céu. Aqui há só amor e cada um tem a sua personalidade diferente. Tu, por exemplo, não deixas de ser anjo por Me amares a Mim, que não sou anjo. O amor não te faz ser outro, diferente de ti, faz-te ser o melhor de ti próprio. Se deixasses de ser quem és para Me agradar, por exemplo, estaria tudo estragado. É esta a quinta tentação dos homens quando amam, a tentação do "vender-se-para-agradar". Os homens, para agradar àqueles que dizem amar, são capazes de empenhar o que têm de mais sagrado. Vendem os seus ideais, comportam-se como se não fossem eles, tornam-se incapazes de dizer o que realmente pensam, relativizam aquilo em que realmente acreditam para não perderem o outro. Eu não farei isso. Se o fizesse tornar-Me-ia um jogo de sombras, esvaziar-Me-ia e não teria nada para dar. Haverá talvez momentos em que os homens vão à Minha procura e não Me encontram porque vou precisar de estar comigo. Haverá talvez momentos em que os homens quererão que grite as palavras de ordem dos seus partidos e terei de os desiludir porque eu não Me vou contradizei" a Mim próprio. Haverá talvez momentos em que Me oferecerão o mundo inteiro se Eu for seu cabeça de cartaz e ficarão desapontados quando abrir a boca porque a verdade não pode ser vendida. Estás a ver? Seria como tentar assentar o peso do pilar no tabuleiro da ponte. Duraria pouco tempo.
– Continuo a não perceber, Senhor! Eu primeiro pensava que Tu não irias ser bem homem mas que apenas Te disfarçarias de homem. Explicaste depois que não, e eu entendi as razões. Então achei que Tu ias deixar de ser Deus para poderes ser homem. Agora vejo que também não será assim e estou confundido. Sinceramente não entendo como é que Tu conseguirás ser homem continuando a ser Deus. É que a ideia que eu tenho das duas coisas é completamente diferente. Deus sabe tudo, os homens não. Deus está em toda a parte, os homens para irem de aqui para ali têm de se deslocar. Deus tem poder sobre tudo, os homens não...
O tema interessava visivelmente ao Filho, que ganhou um brilhozinho especial nos olhos e respondeu assim:
– Havia, num país distante, um Rei. Vivia no seu palácio, no cimo da colina, rodeado de uma grande corte e na companhia do seu filho. Havia também nesse reino um bosque, um grande bosque atravessado por um pequeno rio azul. Muita gente vivia nesse bosque. Era gente boa e simples que nunca tinha entrado no palácio real e que se sentiria pouco à vontade se lá entrasse, tal era a distância entre estes dois mundos tão próximos. Os homens eram caçadores e lenhadores. As mulheres lavavam a roupa no rio.
Ora um dia o Príncipe, cavalgando no bosque ao longo do rio, viu uma jovem Lavadeira. Ficou secretamente a olhar para ela por detrás dos canaviais e apaixonou-se por ela. Gostaria de se propor a ela e de a namorar. Mas como fazer? Levá-la a viver no palácio não era possível, seria de mais para ela. Ir ele viver para a clareira do bosque, com toda a sua corte, também não. Assustá-la-ia, a ela e a todos, e não iria resultar. Foi então que decidiu: "Deixarei a corte, perderei todos os meus privilégios reais, irei viver como mais um na clareira do bosque." Passados anos lá o encontramos. Trabalha agora o dia inteiro como lenhador. Tem agora as suas mãos calejadas do machado. Até a sua maneira de falar é diferente, igual à de todos os lenhadores do bosque, com quem bebe, na taberna, ao fim da tarde, um copo de vinho antes de voltar para casa.
– Diz-me, Benjamim, este homem que agora vemos assim mal vestido, a suar e de mãos calejadas é ou não é Príncipe?
Benjamim hesitou: – Que história linda, Senhor! Bem... eu acho que... ou seja... acho que sim, que ele deixou tudo por amor mas que no fundo continua Príncipe.
– E achas muito bem – disse o Filho. – Claro que ele agora já não pode assinar decretos reais, nem pode dispor livremente da fortuna da família, nem tem a facilidade de meios que tinha no palácio. Mas o sangue azul que corria nas suas veias não o perdeu. Príncipe uma vez, Príncipe para sempre.
– Então, Senhor, isso significa que Tu vais perder os privilégios mas não vais deixar de ser quem és?
– É verdade, Benjamim. É assim o amor.
– E quem é a Lavadeira? É a humanidade?
– Nem mais, Benjamim.
– E o Teu sangue azul, que sangue é?
– É o amor, Benjamim.
– E a lavadeira? O que aconteceu à lavadeira?
– A lavadeira, aos poucos, aprenderá a amá-lo, ganhará nobreza de sentimentos e será uma Senhora.
– E irá viver para o palácio com ele?
– Sim, Benjamim, quando estiver preparada.
– E serão os dois felizes para sempre?
– Sim, Benjamim - disse o Filho a rir —, e serão os dois felizes para sempre. E o Rei tratá-la-á como filha. E ela será herdeira de todos os bens da família real.
– Acho que já estou a perceber, disse o anjo pegando na harpa.

"Para onde foi o teu amado, ó mais formosa das mulheres? Para onde se retirou o teu amado? O meu amado desceu ao seu jardim, ao canteiro dos balsameiros, para se recrear entre as flores e colher lírios. Eu sou para o meu amado e o meu amado é para mim. Ele recreia-se entre os lírios." (Cant 6, l-3).

Esta história do Príncipe e da Lavadeira e a referência aos lírios tocou muito todos quantos estavam presentes. É que os jardins celestiais estavam cheios de lírios e não havia ali quem não os apreciasse. Foi então que um profeta menor, que estava escondido lá no meio do grupo dos profetas, sugeriu uma ideia. "Não seria possível decretar desde já na Terra uma har­monia perfeita, de modo que o Filho, ao chegar, fosse logo bem acolhido por todos? E se alguém não gosta de lírios? Pode até ficar longe do Filho ou mesmo estragar esta Sua vida lá em baixo!" Surgiu então entre todos uma grande discussão acerca dos lírios. Dever-se-ia ou não fazer com que todos os homens gostassem de lírios? A ideia foi ganhando terreno. Para bem dos homens, todos deveriam gostar de lírios, quer quisessem quer não... Isso facilitaria muito a missão do Filho, na qual estavam agora todos tão envolvidos. Mais uma vez o Pai pediu silêncio.
– Estão a ver? É esta a sexta e a maior tentação dos homens quando começam a amar, a tentação de "manipular-o-outro-para-não-o-perder", de seduzir o outro de forma que ele não possa recusar o amor. Há tantas formas de o fazer, e algumas tão discretas! Há quem tente tornar-se imprescindível ao outro para que o outro não possa viver sem ele. Há quem tente confundir o outro de modo a que ele se convença de que já não é ninguém sem esse amor. Há até quem ameace com o perigo do castigo eterno no caso de ele recusar o amor. Mas cada um tem de descobrir por si só a cor dos lírios e amá-los livremente por aquilo que são. Se todos fossem obrigados a gostar de lírios, os lírios deixariam de ter encanto.
– E se não aceitarem o Filho? – Perguntavam todos – Se nem chegarem a abrir-Lhe a porta? Afinal eles sentem o mundo como a casa deles. Não seria melhor... enfim... forçar um pouco a entrada?
– O mundo é a casa deles – respondeu o Filho –, forçar a entrada, nunca! O amor, para ser amor, tem de ser livre dos dois lados.

Maria

Foi então que algures, muito longe dali, numa pequena aldeia perdida no mapa, uma rapariga pôs a mão na maçaneta da porta e entrou no seu quarto para descansar. Tinha tido um dia cheio. Cheio de coisas a fazer. Cheio de projectos para o futuro.
Sentou-se na cama a sonhar, segurando na mão um pequeno lírio que tinha apanhado no caminho para casa. E nesse momento ouviu uma voz que a saudava. "Viva, Maria, o Senhor está contigo." Ela perturbou-se. Escutou, perguntou, pensou, amou. E no fim respondeu: "Eis a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a Sua vontade" (Lc 2, 38). E o anjo retirou-se de junto dela.

quinta-feira, janeiro 6

Mesmo sem ter sido recebido de braços abertos, cá estou de novo em Roma. Acabadinho de chegar. Amanhã (ou hoje...), dia 6 de janeiro, é dia santo por cá: a Epifania que se celebrou em Portugal do Domingo passado. Depois de umas férias, será para tornar a habituar a estar dentro do quarto rodeado de livros, que o tempo é pouco até ao final do semestre... Acho que já estou com saudades de Leiria...

quarta-feira, janeiro 5

Férias, mesmo que grandinhas, como estas de Natal, parecem passar tão depressa! Ainda agora cheguei, e já estou de partida… Acabei por não conseguir estar com toda a gente… Mas o que tem de ser tem muita força, e espera-me o restinho do semestre e uma época de exames. Vai começar aquele tempo em enlouqueço (mais) um pouco, começo a «stressar» e quase a subir pelas paredes… mas o seu a seu tempo! Isso é mesmo para depois de amanhã: amanhã é para passar uma manhã descansada, acabar de fazer as malas e ir para Lisboa para apanhar o avião. Roma será mesmo ao fim do dia. Entretanto, na mala levo já 15 quilos de livros para começar a pensar nas teses: já falei com um professor, e em princípio vão andar à volta do escutismo, catequese e educação.

Com a volta a Roma acabam-se as noitadas e é natural que tenha a vida mais organizada para ir aparecendo por «aqui»… Por isso, vamo-nos «vendo»! Até já!