As sucessivas reencarnações são a possibilidade oferecida a cada «alma» para se purificar progressivamente e poder libertar-se de todo o sofrimento que é causado pela dimensão corporal. O objectivo é o de se libertar desse ciclo de reencarnações.
O Budismo é talvez quem exerce actualmente mais influência no contexto ocidental. O Budismo, «sem ser propriamente uma religião, pois não faz referência a um Deus pessoal, é uma crença espiritualista oriental com origem na experiência do Buda histórico (o príncipe Sakyamuni), nascido no Norte da Índia, junto ao Nepal, cerca de 560 a.C., que tem como postulado fundamental a luta contra o apego a tudo que é mundano, transitório e inconsistente que é a causa de todo o sofrimento humano, através do esforço na prática das boas acções e da meditação, como forma de alcançar a libertação do inevitável ciclo dos renascimentos sucessivos a que todo o homem está sujeito até alcançar a plena libertação, o nirvana. O Budismo, nas suas diversificadas versões, apresenta aos seus seguidores pelo menos três formas (vias) de se concretizar a sua proposta, das quais a mais sublime é a da vida monástica, em que se inscrevem os monges tibetanos, hoje constrangidos pela ocupação chinesa, que obrigou ao exílio o Dalai-Lama. Espalhado sobretudo pela Ásia, o Budismo conta cerca de 300 milhões de fiéis» (Enciclopédia Católica on-line).
Como poderemos «avaliar» esta doutrina na reencarnação que, com influências sobretudo Budistas, se vem divulgando num ambiente de nova religiosidade «vaga», em que Portugal também está inserido? De facto, ao apresentar a religiosidade pós-moderna em Portugal, D. António Marto fala de dez principais características. É uma religiosidade: 1. estética e emotiva, por procurar a verdade estética, aquela que agrada e seduz; 2. vaga e difusa, sem verdades doutrinais e convencionais, sem um Deus pessoal; 3. flutuante, sem instituições, é do indivíduo pura e simplesmente; 4. sincretista, uma espécie de cockail feito de elementos de várias religiões; 5. privatizada, onde cada um escolhe aquilo que corresponde mais à situação em que se encontra; 6. narcisista e ligth, porque procura o bem-estar e é alérgica a tudo o que possa pôr em causa o sacrifício; 7. esotérica, que anda à descoberta da sabedoria, criatividade e poderes ocultos que estão no próprio sujeito; 8. místico-cósmica, porque procura viver uma experiência de fusão com o divino entendido com energia cósmica; 9. reincarcionista, porque a reincarnação aparece como uma hipótese para o máximo desenvolvimento do potencial humano; 10. neo-pagã, pela preferência pelas religiões orientais e pré-cristãs. (Cf. António MARTO, Pós-modernidade, retorno do religioso e evangelização, in «Pastoral Catequética», 1 [2005], 27-28).
Algumas questões podem ajudar-nos a reflectir então sobre a questão da reencarnação:
1. Que pessoa sou eu? Ou seja, as existências terrenas são muitas, e diferenciadas, sem continuidade entre si. A minha vida corporal actual não seria a primeira nem a última. Teria vivido já anteriormente e viveria repetidamente em corpos materiais sempre novos… A reencarnação nega, por isso, o conceito de pessoa como única e irrepetível. Eu não sou eu, porque hoje sou este que aqui está, mas antes fui um outro, e depois serei alguém diferente… A memória de nós mesmos, a nossa história pessoal, é aquilo que nos constitui: se a perdemos, quem somos nós? Que é feito da minha individualidade? Da minha maneira de estar, pensar, sentir e amar? Da minha continuidade?
2. Quem é o «sádico» responsável deste existência corporal? Se o meu ser espiritual já existia antes, e vai ter de existir tantas vezes até aprender por mim próprio que o corpo não vale nada, quem é que me faz andar sadicamente neste ciclo de sofrimento? Não valia mais deixar-me estar logo quieto na ausência de sofrimento que necessariamente terei de atingir, quer queira quer não? Quem inventou a materialidade sem qualquer necessidade pois é dela que temos de nos livrar?
3. Onde está a minha liberdade? Se a lei de um contínuo reencarnar tem como fim a anulação de nós mesmos para integrar o espírito puro (aí se dá a libertação do ciclo da reencarnação), no fundo a vida é vivida apenas numa aparência de liberdade, porque está já determinada a minha perfeição no final destes ciclos. Não tenho sequer a possibilidade de negar aquilo que é inevitável. E, mesmo que não o quisesse, teria sempre de voltar a encarnar num novo corpo, esquecendo o anterior, deixando de ser eu para ser um a outra pessoa, até que chegasse esse momento… No fim, todas as minhas decisões e opções de nada contam, pois não somos nunca nós mesmos a permanecer: permanece uma parte espiritual de mim que, no entanto, me esqueceu na minha realidade histórica, nas minhas opções livres…
4. Eu (o meu ser espiritual, não propriamente este meu «eu» actual…), mesmo sem ter disso consciência, vou caminhando para um perfeição final que é um progressivo abandonar da materialidade do corpo. Com o atingir de um conhecimento desta realidade, por mim próprio e com os meus próprios méritos, serei finalmente liberto do ciclo de reencarnações. A salvação é uma realidade «pessoal e intransmissível»: ninguém me salva, eu sou o meu próprio deus auto-salvador. Por isso, trata-se sobretudo de uma fé sem implicações de relação: não preciso de um deus para me salvar, assim como não preciso de qualquer mediação. Ou seja: para que preciso de um Salvador como Jesus Cristo? Para que preciso de uma Igreja como lugar de vivência da salvação? Que resta de um Deus pessoal com quem me relacionar?